Algumas pessoas têm mais chances de contrair o vírus da Aids do que outras

Atualizado em 13 de junho de 2018

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POR Vinicius de Vita Cavalheiro

Quando o vírus da Aids surgiu, no início dos anos 80, a imprensa noticiava o aparecimento de uma “peste gay” que estava matando homens homossexuais. Até aquela altura, a maioria dos casos que chegava à mídia era de homens homossexuais que de repente apareciam muito magros e com manchas espalhadas pelo corpo.

Hoje, que já se sabe que o vírus HIV não é uma exclusividade da comunidade gay, olhar para as manchetes daquela época causa estranhamento. Em menos de 40 anos, cerca de 35 milhões de pessoas morreram em decorrência de complicações da Aids, entre eles muitos homens e  mulheres heterossexuais.

Está muito claro para os médicos e especialistas em saúde sexual que qualquer pessoa pode contrair o vírus da Aids, independentemente de qualquer fator. Basta que o HIV entre na corrente sanguínea e se aloje no organismo para que a infecção ocorra. É como dizem: vírus não vê cara e nem coração.

Existem, porém, diversos fatores biológicos e sociais que fazem com que algumas pessoas estejam em situação de vulnerabilidade ao HIV, que as colocam sob maior risco de contraír o vírus do que outras.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), ciente disso, fez uma lista com essas populações e recomendou que as pessoas deixem de usar o termo “grupos de risco”, por este trazer uma conotação equivocada sobre os reais motivos que levam alguns grupos de pessoas a apresentarem incidência do vírus da Aids maior do que outros.

Populações-chave para o vírus da Aids

Em níveis globais, as cinco populações-chave para HIV são:

  • Homens que fazem sexo com homens;
  • Profissionais do sexo;
  • Usuários de droga injetável;
  • Pessoas transgênero;
  • Presidiários;

Entenda abaixo por quê:

Homens que fazem sexo com homens

Não, não são só homens gays. Levando em conta que, do ponto de vista da transmissão, o sexo anal é o tipo mais frequente e com maior probabilidade de consolidar a infecção, qualquer homem que tem relações sexuais com outros homens está em situação de risco acrescido para HIV.

É o que comprova um artigo publicado há alguns anos no The Lancet, que afirma que se o nível de transmissão do vírus da Aids durante o sexo anal fosse o mesmo que no sexo vaginal, entre 80 e 90% dos casos de HIV entre homens homossexuais e de homens que fazem sexo com outros homens de modo geral não teriam acontecido.

Do ponto de vista social, porém, a discriminação foi e ainda é um fator que influencia diretamente no risco que um homem gay têm de contrair o vírus. Esta também é a opinião de Perry Halkitis, professor da Universidade de Nova York que publicou um artigo sobre o assunto no portal da American Psychological Association.

Portanto, é bom tirar da cabeça a ideia de que a razão da recorrência do vírus HIV entre homens homossexuais está no “comportamento promíscuo” deste grupo.

Profissionais do sexo

Os profissionais do sexo, tanto mulheres quanto homens, pertencem a um dos segmentos da sociedade que têm maior risco de infecção pelo HIV, e isso se deve à situação de vulnerabilidade social e a fatores relacionados à própria atividade exercida.

No Brasil, estima-se que a cada dez brasileiras contaminadas, uma seja profissional do sexo — o que é cerca de oito vezes maior do que a população de modo geral.

Essas pessoas estão diariamente submetidas a práticas sexuais pouco ou nada seguras e têm acesso limitado e precário a serviços de saúde, além da ausência de políticas públicas e até de uma legislação que as protejam contra situações degradantes.

Outros fatores, como a localidade, grau de escolaridade e o contexto no qual esses profissionais estão inseridos também entram na conta.

Presidiários

A concentração do HIV, de modo geral, é maior em locais de reclusão de pessoas — e presídios são o principal deles. Como a rotação nas cadeias é relativamente alta e a prática de sexo não seguro dentro das celas é muito comum, a incidência do vírus da Aids nas penitenciárias de todo o mundo é maior do que em outros recortes da sociedade.

Esse quadro se intensifica quando levamos em conta a negligência de uma administração eficiente das prisões, que muitas vezes não com assistência médica nem social para os que estão sob a custódia do Estado.

O uso de drogas injetáveis, cujo ato exige o uso de seringas intravenosas, também é comum em prisões dos Estados Unidos e da Europa e representa uma exposição a mais dos presidiários ao HIV.

Usuários de drogas injetáveis

O compartilhamento de seringas, muito comum no uso de drogas injetáveis, é outra prática capaz de transmitir o HIV. Isso porque o compartilhamento geralmente acontece em questão de segundos, o que permite que o vírus da Aids sobreviva ao contato com o ambiente externo.

Esse tipo de prática não é tão comum no Brasil, mas os Estados Unidos têm vivido uma verdadeira epidemia de heroína, como aponta uma reportagem publicada este ano pelo The New York Times. Em alguns países da Europa, o uso de seringas compartilhadas também é comum, especialmente na região do leste europeu.

Os parceiros sexuais de usuários de drogas que se infectam com HIV por meio do uso de seringas contaminadas também são olhados com atenção pelas entidades internacionais de saúde. Da mesma forma, mulheres soropositivas em idade fértil são outro ponto de preocupação das autoridades, pois o acesso a um pré-natal adequado é ainda mais difícil quando a gestante é usuária de drogas.

Pessoas transgênero

Os transgêneros são pessoas que se identificam com um gênero diferente daquele que lhes foi atribuído no nascimento. Tanto homens quanto mulheres trans, por causa da discriminação, da exclusão do mercado de trabalho formal, da ausência de políticas públicas e da falta de preparo de profissionais de saúde para cuidar desta população, acabam sendo mais uma população com risco acrescido de contrair HIV.

Dados estatísticos brasileiros não oficiais dão conta de que cerca de 90% da população de mulheres transexuais e travestis estão na prostituição — o que também aumenta as chances de infecção por HIV.

A OMS diz que os países devem trabalhar na criação de leis que reconheçam as pautas que pessoas transgêneras levantam quanto ao respeito à sua identidade de gênero e criem um ambiente propenso para que elas sejam incluídas no mercado de trabalho formal.

Outras populações sensíveis ao HIV

Essas cinco populações-chave que abordamos acima são as que a OMS entende como grupos de vulnerabilidade social que independem de localidade e de outros fatores para terem risco acrescido de contrair HIV.

As razões que os colocam em perigo maior que o restante são as mesmas no Brasil e em qualquer lugar do mundo. Mas existem outros grupos que, nos últimos anos, têm demonstrado crescimento no gráfico de incidência do vírus da Aids. São eles:

  • Mulheres acima dos 60 anos;
  • Mulheres vítimas de violência sexual;
  • Crianças que nascem com HIV;
  • Refugiados;

Enquanto o número de casos de HIV entre mulheres acima dos 60 anos começou a aumentar no Brasil, a incidência de novos casos entre refugiados também tem crescido em regiões da Europa e do Oriente Médio em decorrência da onda imigratória dos últimos anos.

Por aqui, especialistas indicam que mulheres no pós-menopausa, por não correrem mais o risco de engravidar, deixam o preservativo de lado em suas relações sexuais com os maridos.

Outros fatores, como o acesso ao viagra e o aumento da frequência da atividade sexual por idosos graças a aplicativos de relacionamento, também têm contribuído para o aumento do número de casos de HIV nesta faixa etária.

Já o caso de mulheres jovens que contraem HIV após serem vítimas de violência sexual, o problema também tem escala global — embora seja mais fácil de prevenir graças a terapias antirretrovirais de emergência, como a PEP, que impedem a infecção pelo vírus da Aids se for iniciada em até 72 horas após o episódio.

Por fim, o número de crianças que nascem com HIV ainda é alto em países em que mulheres gestantes soropositivas não têm acesso ao pré-natal ou que desconhecem a própria sorologia ao engravidarem. A chamada transmissão vertical é frequente em países em desenvolvimento, mas já está erradicada em Cuba, por exemplo.

Com contribuição de Bruno Botelho dos Santos